O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Xícaras de porcelana dourada


Esse negócio de tomar café elegantemente, um bocado de pão, um gole de café... isso demorou. A gente bebia o café de gúti-gúti na caneca de folha, que o Seu Miguelzinho tinha colocado asa, e saía para o quintal comendo o pão. A caneca de folha deixava marca na testa, tanto tempo que a gente ficava bebendo e respirando dentro da caneca, o narizinho ficava cheio de gotinhas de vapor.
Mas no bufê, de vidro e espelhos manchados, tinha umas xícaras de porcelana, branquinhas por dentro e pintadas de amarelo por fora, com paisagem de coqueiro, casinha e mar. E também, do mesmo jogo, o bule, a leiteirinha, a manteigueira e o açucareiro. Mas era só de enfeite tudo isto, eu pensava. Até que veio o batizado da Auxiliadora, quando eu tinha quatro anos.
Na igreja, depois da missa cheia de incenso e do harmônio do Maestro Romão, minha irmãzinha bebê, de longa camisolinha branca, não estava no colo da mamãe, nem do papai. Estava no colo dos padrinhos, o Seu Vando e a Dona Bela Esteves. Orações, a fala do padre, a vela acesa, o algodão com óleo na testa e no peitinho da criança... Depois, fomos todos para casa – e os padrinhos também! Foram tomar café com a gente.
Quer dizer, tomar café com o papai e mamãe. Nós, crianças, fomos para a cozinha, sob os cuidados da Vovó, que estava com o Bosquinho no colo. Vovó falou que era para dar sossego para as visitas, tinha que ir para o quintal. Mas bem capaz! A gente queria ficar no corredor, espiando pelo vão da cortina de chita. Eu espiava, disputando espaço com os maiores, num empurra-empurra, mas não podia dar muita risada, nem cochichar muito.
Eu espiei, e vi. Ó maravilha! A mesa tinha ido para perto da janela da varanda, estava com toalha. Em cima da mesa, as xicrinhas amarelas! E o bulinho! E a leiteirinha, com o açucareiro de tampa, e a manteigueira! E tinha manteiga, que compraram na Dona Naná. E tinha pão doce, de casca marrom brilhando!
As cadeiras de pau tinham recebido capas de morim branco, que mamãe tinha costurado e bordado, com tirinhas para prender no encosto. Sentados, solenes, os adultos conversavam contentes, comentavam coisas, passavam manteiga no pão doce, punham café e leite, e tudo fumegava, e as colherinhas dançavam dentro das xícaras, tilintando. Mas me deram um bruto de um empurrão por trás e eu fui de cambalhota para o meio da sala e já fui me levantando aos trambolhões para me safar dali, mas deu tempo de ver a cara da minha mãe e o gesto que queria dizer “Ocê me paga!”.
Tinha mais ninguém no corredor não. Fugi para o quintal e estava todo mundo lá, rachando o bico de tanto dar risada.
Acho que não apanhei não, acho que ninguém apanhou, não lembro. Lembro que logo depois a gente tomou café com leite com pão doce com manteiga. Mas o café foi nas canecas de folha mesmo, as xicrinhas amarelas já tinham voltado para o bufê e ali ficaram mais uns vinte anos, até que foram sumindo, quebrando, desaparecendo.
O bufê acabou, as cadeiras de pau também, e as suas capas de encosto. Acabou essa coisa de ter na sala mesa com cadeiras. Acabou isso de a gente levar tombo e dar risada, a gente vai ficando mais fraco e triste e os tombos agora fazem a gente chorar.
Xicrinhas douradas de café com leite! Doces, lindas, frágeis, como a infância!  Frágeis como a vida.
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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Fotos: Mercado Livre

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