O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Tabebuia (ipê)



Quem me obrigou à pesada burca verde
no verão chuvoso? Quem, no outono farfalhante,
mandou que eu me vestisse de sépia?

Quem, severo, me prescreveu no inverno
o piedoso retiro com seus silêncios mortos?

Agora: não quero mais saber.

Agora: primavera! passarinhos! música no vento!
Agora: seiva nova quente corre dentro de meus vasos lenhosos
e os meus botões intumescidos, de repente, um a um,
desatam lenços amarelos pela árvore toda!
A minha nudez se enfeita de pétalas claras
contra o céu azul! E venha o vento!

Que o vento erga minhas luminosas flores desavergonhadas!
Que o vento morno mande meu meigo aroma de fêmea madura
aos quilômetros em derredor!

As minhas últimas folhas pudicas joguei fora. Nua inteira,
vigorosa e quente, sem uma folha:
sou só flores!

Sou só flores, estou pronta:
Vem, Vida! Vem nos grãos sagrados do pólen!
Ah! Eu me abro! eu abro todas as minhas flores e destilo
tonta todo o néctar doce, meu muco, meu mel,
meu licor: o meu amor!

Eu me exponho, eu exagero no escândalo
dos amarelos! Eu chamo! Eu chamo todos!
Eu chamo tudo! Venham! Venham lambuzar-se em mim
as velozes abelhas, e as mamangavas bravas, as ferozes vespas:
Tudo lhes dou em troca dos santos grãos de pólen
que me trazem, pervertidas!

A todas acalmo com minha secreção perfumada,
a todas amanso como as mais dóceis jatis, miúdas
abelhinhas sem ferrão – para estas reservo
o meu carinho mais humilde...

Venham os insetos todos,
todos me lambam, venham borboletas, besouros!
Venham os beija-flores, sátiros alados, pequenos faunos
incansáveis: que me derreto! Venham as coloridas
saíras delicadas, famintas, gentis!

Venham as noturnas mariposas, de ousadas trombas,
e venham os escuros morcegos impiedosos! Me comam
as cheirosas pétalas, usem minhas flores, abusem
até da intimidade de todos os meus ovários! Escancaro,
em festa febril, sépalas, estames, pistilos,
anteras, filetes: vibro nas fibras das flores
de todos os meus ramos frágeis!

Se me dão o pólen, lambam-me! Longamente,
línguas lépidas, lúbricas, lisas, lambam-me os lábios
das pétalas lânguidas, numa confusa música zonza, num
vozerio vivaz, num zunzum...

De manhã, o solo em torno é um tapete amarelo: milhares
de minhas flores sucumbiram, exaustas,
e vagarosamente vão levadas pelas formiguinhas minúsculas....

Venham... Mas tem que ser logo! Logo não vou
querer mais, vou dispensar, me recolher,
me despojar de tanto amarelo,
vou me vestir de verde...

Quando minhas raízes beberem da bênção das primeiras chuvas,
vou estar sossegada, cuidando
da minha multidão de sementes grávidas.

*          *          *

Poema de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Poema vencedor do X CONCURSO ESTADUAL DE POESIA DA OAB SP - 2015
Tabebuia é o nome científico do ipê.
Foto: descomplicando.com