O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

sábado, 24 de novembro de 2012

Fechou o hospital dos pobres


Leone Bazin e Dimitrius Stambolos


Uma das lembranças mais antigas que tenho (eu teria uns quatro anos de idade) é esta: junto com meu Pai e minha Mãe, de manhã cedinho, com sol brilhando no céu azul, fazendo muito frio, descemos do ônibus dos Valentini em algum lugar na chegada de Pinda. Andamos bastante, em direção ao Cemitério. Atravessamos uma linha de trem, caminhamos por um trecho com capim molhado de orvalho e chegamos a um prédio onde eu fui examinado por um doutor, minha mãe ganhou umas latas de leite em pó, remédios e depois... Depois não lembro mais nada, não sei onde era esse lugar que tinha pessoas que cuidavam da gente.

Mas o tempo passou e vim a descobrir que aquilo era o Posto de Puericultura do Hospital e Maternidade Bazin. Quem me contou direitinho foi o Demétrio Guarany Avelar, que hoje mora em Taubaté e foi um dos maiores jogadores de futebol do passado, tendo jogado junto com o Zito no infantil do São Paulinho. E, além disto, o Guarany também é avô da minha netinha Pietra. A narração é esta:

O Dr. Dimitrius Stambolos e sua esposa Leone Bazin, padrinhos do Guarany, venderam a Fazenda Ibiá (depois, Mandupá) e aplicaram o dinheiro na construção e montagem do Hospital, investindo em mobiliário, sala cirúrgica, farmácia, aparelho de Raio X e outros equipamentos. O prédio ficou com duas alas: uma para os pagantes e outra para os pobres. Com o passar do tempo, as despesas aumentaram muito, já que o Hospital era procurado quase que somente pelos pobres.

Na gestão do Dr. Adhemar de Barros, foi feito um convênio com o Estado, que passou a pagar o quadro de funcionários e a destinar uma verba para as despesas correntes. Porém, após alguns meses, o Estado parou de remeter a verba. Isto levou ao fechamento do hospital, para grande tristeza e decepção do casal Stambolos. O imóvel acabou sendo vendido para a Congregação dos Sagrados Corações, dos “padres brancos”, que ali permanecem até hoje.

Outro narrador me contou que um dos motivos para a queda da procura por parte de pagantes na maternidade foi a pregação da oposição religiosa: seriam amaldiçoadas as crianças que lá nascessem, porque os Stambolos eram espíritas.  

Em nossa cidade, meus caros, a religião pegava pesado.



* * *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes, conforme narração de Demétrio Guarany Avelar
Fotos: Arquivo Histórico Dr. Waldomiro Benedito de Abreu – Fundo Demétrio Guarany Avelar

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Paulo Tarcizio lança livro no MAV em Jacareí em 23/11/2012


Local: MAV – Museu de Antropologia do Vale do Paraíba
 
Rua XV de Novembro, 143 – Centro  Jacareí  SP

Lançamento do livro “Aconteceu na Escola”
de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Dia 23 de novembro de 2012 – às 20 horas
Entrada franca


Paulo Tarcizio lança livro no Museu de Antropologia no dia 23 de novembro, às 20h           

Filho de professor e de servente de escola, Paulo Tarcizio da Silva Marcondes, professor, advogado, poeta, declamador e artista plástico, nasceu em Pindamonhangaba em 14/06/1947. Fez o curso primário no Grupo Escolar Rural “Antonio Bicudo Leme” em Coruputuba (1958), o Curso Ginasial (1963) e a Escola Normal (1966) no IE “João Gomes de Araújo”, em Pindamonhangaba. Concluiu o curso de Pedagogia na FVE em São José dos Campos (1974) e o curso de Direito na UNITAU (1999). Publicou em 1997 o livro de poemas “Terra Vegetal”. É membro da Academia Pindamonhangabense de Letras e da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Pindamonhangaba, sua terra natal, para onde voltou depois de ter residido por mais de doze anos em Jacareí (de 1972 a 1984). Acaba de publicar o livro “Aconteceu na Escola”, em que narra desde suas experiências de aluno até sua vivência de educador por mais de quarenta anos.
A respeito do livro “Aconteceu na Escola” e de sua carreira de educador, Paulo Tarcizio informa:
Que cargos você exerceu no magistério?
– Fui professor primário, orientador educacional, assistente de diretor, coordenador pedagógico, diretor de escola, professor universitário e, depois de me aposentar como diretor, ingressei por concurso no cargo de professor da rede municipal. Este é o meu cargo atual, do qual estou afastado por exercer em comissão o cargo de diretor de Patrimônio Histórico de Pindamonhangaba.
Você só trabalhou na educação?
– Trabalhei em vários setores de atividade, além da educação. Acredito que isto me ajudou a adquirir uma visão diferenciada da sociedade, inclusive para me ajudar na tarefa de educador. Fui secretário do Sindicato Rural, metalúrgico na AISA, gerente de jornal em Jacareí e sou advogado – atualmente licenciado.
Sobre o que trata o livro “Aconteceu na Escola”?
– Sobre a minha experiência de educador: uma sequência de casos, todos verídicos, sobre educação, escolas, professores, alunos, funcionários, autoridades, greves, disciplina, técnicas de ensino, decisões acertadas e decisões equivocadas, ódios e afetos, gestos nobres e gestos lamentáveis... Enfim: vitórias e percalços na vida real das escolas.
Que escolas da região constam no seu livro como palco de acontecimentos?
– Além das escolas de Pindamonhangaba, comento fatos acontecidos na escola do Porto Novo, em Caraguatatuba. Há no livro vários capítulos sobre escolas de Jacareí onde trabalhei como professor ou diretor, como a do Rio Abaixo (atual Ottilia Arouca), a Escola Agrícola, a do Jardim Flórida (Benedita Freire de Macedo), a da Vila Zezé (Neusa Teodoro de Azevedo) e outras. Há também alguns capítulos interessantes sobre minhas experiências na ETEP em São José dos Campos e na escola de Igaratá (Benedito Ramos Arantes). Já o capítulo “Primavera em Santa Branca” trata de uma vivência edificante na escola Francisca Rosa Gomes, onde fui coordenador pedagógico.
E quanto às instituições de ensino superior em que você trabalhou e ou estudou?
– Trago ao leitor comentários sobre fatos acontecidos na UNITAU, na FVE e na FASC de Pindamonhangaba.
Sendo a sua primeira escola, de que forma a Martinico Prado, em Coruputuba, marcou a sua vida?
– Eu já frequentava a escola de Coruputuba na vida intra-uterina, quase que nasci lá. Minha mãe era servente da escola. Um mês após o parto, tinha que me levar diariamente para o serviço, deixando o bebê no carrinho, na cozinha, enquanto limpava as salas etc. Voltei para aquela escola como aluno e depois voltei como professor, pois foi onde iniciei minha carreira de professor.
O livro “Aconteceu na Escola” trata também das questões polêmicas que defrontam professores e governos?
– Sim. O livro narra os efeitos das injustiças e decisões equivocadas das autoridades, na visão da frente de batalha, do professor que se vê fragilizado diante dos erros dos governos.  Além de comentar o vai e vem das ondas pedagógicas em mais de quarenta anos de carreira, falamos das mais variadas dificuldades que o educador encontra no dia a dia.
 “Aconteceu na Escola” é um livro didático?
– Não é um livro didático. É um livro de memórias pedagógicas. Do começo ao fim, é uma contação de histórias verídicas, sem termos técnicos nem nomes de pedagogos e filósofos.
A quem se destina, em especial, o livro “Aconteceu na Escola”?
– De um modo geral, a quem gosta de conhecer a história do passado recente do povo das nossas cidades, de nossas escolas, dos nossos bairros. De um modo especial, aos educadores, para que possam refletir a respeito de sua realidade diária, e aos jovens que se preparam para o magistério. Estes poderão se defrontar com a narração de como é a atividade educacional, contada por quem vem vivendo essa realidade há mais de quarenta anos.
Onde pode ser adquirido o livro “Aconteceu na Escola”?
– Por enquanto, basta o interessado se comunicar comigo pelo email paulotarcizio@gmail.com para combinarmos a forma de remessa e pagamento. O livro custa trinta reais, mais despesas de correio, se for o caso. Mas a solução mais fácil e agradável é comparecer ao lançamento que vai acontecer aqui em Jacareí, no Museu de Antropologia, no dia 23/11/2012, às 20h. Estão todos convidados!
 

Ficha técnica:

Obra: ACONTECEU NA ESCOLA
Autor: PAULO TARCIZIO DA SILVA MARCONDES
Edição do autor – Pindamonhangaba
224 páginas; 21 cm
ISBN 978-85-913453-0-4
1. Educação. 2. Docentes. 3. Formação de Docentes
Contato com o autor: paulotarcizio@gmail.com
Preço do exemplar: R$30,00



Sobre o livro “Aconteceu na Escola”

Notas do autor

Na mocidade, ouvi de um velho secretário de escola: “Não sei para que todo esse seu esforço. Bobagem. Quando você tiver a minha idade, vai ver que para o Estado você vale só o número do seu RG”. Ele estava certo, mas isto não é relevante. Não é a busca pelo reconhecimento do Estado que nos move. Nós, idealistas, vamos em frente trabalhando pela Humanidade. Se o Estado quiser, pode nos seguir. Se não nos atrapalhar, já está fazendo sua parte.
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Todos os fatos narrados neste livro são verídicos. Substituí alguns nomes de pessoas, às vezes para protegê-las, outras vezes para proteger-me.
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Quando eu era criança, ia na cidade, chegava na escola, subia no ônibus. Mais tarde, aprendi gramática e comecei a ir à cidade, a chegar à escola, a subir ao ônibus. Da mesma forma, onde eu vivia tinha eucaliptos – e depois passou a haver eucaliptos. Neste livro, com muita saudade do linguajar simples da infância, em vários capítulos não permiti que a gramática tomasse todas as decisões.
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Quem está se preparando para ser professor encontrará neste livro vários temas para meditação. Mas quase não encontrará nomes de pedagogos e de teorias da Educação: este livro não é um manual de Pedagogia. É um relato de experiências que, pela generosidade divina, já vêm durando mais de quarenta anos.
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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Pentecostais em Coruputuba



No ambiente extremamente católico de Coruputuba, até o começo dos anos de 1960 eu ainda não tinha conhecido de perto ninguém que fosse de outra religião. Mas então veio morar na casa vizinha à nossa a família Amarante que, pelo que se dizia em voz cochichada, eram “quebra-santos”. Era assim que, preconceituosamente, o povo simples se referia aos protestantes, aos crentes. Meu Pai, não. Ele dizia “nossos irmãos separados” e rezava para que um dia todos se reunissem: “Um só rebanho e um só pastor”. Só que o Pai já tinha falecido havia tempos.

Independente do preconceito, eu e o Bosco rapidamente fizemos amizade com eles, principalmente com o Zezé (Edevaldo) e o Miltinho, por causa do futebol. Eles pulavam a cerca e vinham jogar no nosso campinho do quintal. Depois, nosso futebol, digamos, evoluiu, e começamos a jogar no campinho perto do campo da Industrial. A partir daí, nosso timinho passou a excursionar pelos vários campinhos do bairro, desde a Vila Maria até a Fazenda, a Jacarandá, a Campineira, a Figueira...

Nessa fase do nosso timinho, a amizade com o Zezé e o Miltinho enraizou. Mas havia uma questão espinhosa: a diferença de religião, como se Deus estivesse muito preocupado com isto. Deus certamente não estava, mas nossa Mãe estava. Apesar de até conversar bastante na cerca com a Dona Tereza Amarante, sempre que nós praticávamos alguma desobediência, ela já vinha com a explicação: “É essa bendita amizade com os quebra-santos que está deixando vocês assim, antes vocês não me desobedeciam!”.

Esses encontros e desencontros com os vizinhos por causa de religião acabaram por gerar fases de aproximação e fases de afastamento. Nós, crianças e adolescentes, acabamos por conseguir manter o relacionamento amigável – em grande parte por causa do futebol – e os adultos tinham mais dificuldade nisto. Tudo por causa do ritual, por causa da exterioridade. Por um lado, nossos vizinhos, sendo pentecostais, adotavam formas de culto bem chamativas, com cânticos, palmas, orações e pregações em voz bem alta. Por outro lado, nossa família ficava muito atenta para ver se eles não estavam “falando mal de Nossa Senhora”. Porque, se estivessem, nós iríamos reagir. Houve uma ocasião em que pedradas voaram pelos céus de Coruputuba, em nome da Mãe de Deus.

Das pregações que ouvíamos durante os cultos na casa dos Amarante uma frase acabou por se entranhar na minha personalidade, provocando alguns efeitos no meu modo de agir. O pai do Seu Moacir, portanto avô do Zezé e do Miltinho, na qualidade de pastor, ensinava um dia aos crentes: “Quando na oficina uma ferramenta cair no pé de vocês, digam alto ‘Aleluia! Glória ao Senhor’, em vez de falar palavrão”. Isto eu escutei ouvindo a pregação agachado no quintal, olhando pelo vão da cerca. Até hoje não consegui chegar a este ponto de louvar a Deus em altos brados quando me machuco. Mas também não falo palavrão. E me impressionava a mansidão daqueles vizinhos. Agiam como os primeiros cristãos: perseguidos, não reagiam, não xingavam, oferecendo seu sofrimento a Jesus.

E a Mãe de Deus deve sorrir quando se lembra daquelas guerrinhas de Coruputuba. E talvez fique contente de lembrar que nossa amizade superou essas bobeiras. Apesar de que faz tempo que não vejo o Zezé, o grande goleiro do nosso timinho. Sei que, na vida adulta, foi um valoroso bombeiro. E o Miltinho, sei que ele está há bastante tempo na Amazônia, vivendo seu ideal missionário.

Ainda bem que Deus não tem religião.
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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto da Avenida Dr. Cícero Prado, em Coruputuba: www.pindamonhangaba.sp.gov.br – Centenário da Fazenda Coruputuba – Fundo Patrick Assumpção

domingo, 11 de novembro de 2012

Fica com Deus!


Saí de Coruputuba e fui morar no Porto Novo, em Caraguatatuba, e logo depois em Jacareí. Nesses novos lugares, as pessoas estranhavam algumas coisas no meu linguajar. E achavam interessantes, e comentavam, as minhas expressões de despedidas: “Vai com Deus!” e “Fica com Deus!” Então, fui percebendo com mais clareza: O lugar onde nasci e cresci era um lugar muito católico, e a nossa formação foi completamente católica.

Os homens eram Congregados Marianos, as mulheres eram da Associação de São José, as moças eram Filhas de Maria, as crianças eram da Cruzada Eucarística. E ainda havia os Vicentinos e outras Irmandades. Tudo isto com os seus rituais, suas reuniões semanais, suas fitas e medalhas, seus hinos e seus lugares marcados na igreja, seus pelotões organizados nas procissões, os andores próprios de cada grupo. Adolescente, saí da Cruzada e entrei na Congregação como Aspirante: fita azul fininha com uma pequena medalha. Dois anos depois, Noviço: fita azul média e medalha maiorzinha. Até que cheguei à Congregação Mariana propriamente dita: fita azul larga e medalha de bom tamanho, pesadinha. Isto, sem falar que eu e meus irmãos, desde os oito, nove anos de idade já éramos Coroinhas, sabendo ajudar às missas e dialogar em latim com o celebrante, como era o uso da época.
 
O cumprimento usual em Coruputuba, não era um cumprimento, era uma jaculatória. Cruzava com algum confrade? Nada de bom dia, boa tarde, boa noite. Era assim: “Salve Maria!”

Em casa já era assim desde pequenos. Levantou? “A bênção, Pai! A bênção, Mãe! A bênção, Vó!” Não bastasse pedir a bênção, ainda fazíamos uma pergunta retórica para o Pai: “Reza o Anjo do Senhor?” ao que o Pai respondia “Reza!”. Então, rezávamos: “O Anjo do Senhor, que por Divina Piedade, sois nossa guarda etc.” e o ritual se repetia ao meio-dia, às seis da tarde e na hora de deitar.

Toda noite, depois da janta, reza. Na sala, todo mundo rezando o terço, com revezamento na hora de “puxar” cada um dos “mistérios” do terço. Quando éramos crianças pequenas, a devoção era tão entranhada em nossos pequenos corações que agora, à distância, fica até comovente lembrar a força e a confiança que a gente punha nas orações e nos pedidos. Uma vez o Pedro nos contou que toda noite ele rezava pedindo que, no dia seguinte, quando ele estivesse no quintal brincando de rodar o pneu, Deus não permitisse que o pneu passasse por cima de alguma bosta de galinha, porque isto era mesmo um pesadelo para a gente.
À medida em que fomos crescendo, mesmo que a fé não tenha diminuído, a liturgia foi ficando cansativa, os joelhos no chão de tijolo, o calor, a vontade de fazer graça um para o outro... Mas o ritual católico continuava nos encantando.  E até hoje, a ideia que tenho de alguma espécie de Céu é iluminada pelas lâmpadas azuladas da capela-mor de Coruputuba – e o perfume do incenso vai ter que haver, se não, não será Céu de verdade.
*   *   *
Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Fotos www.pindamonhangaba.sp.gov.br – Centenário da Fazenda Coruputuba
            Acervo Patrick Assumpção

sábado, 3 de novembro de 2012

A pesquisa surrupiada



Corria o ano de 1964 e os poderes constituídos de Pindamonhangaba se lembraram: no ano seguinte se completariam cem anos do envio de tropas brasileiras contra o Paraguai.  Como vários pindamonhangabenses participaram daquela guerra, o Dr. Chiquinho Romano promulgou a Lei nº 745, de 10/12/1964, instituindo prêmios em dinheiro para os três melhores trabalhos de estrita pesquisa histórica em torno do tema “Pindamonhangaba e a Guerra do Paraguai”. O artigo 4º da Lei prometia: “O trabalho classificado em primeiro lugar será publicado pela Prefeitura Municipal”. Só poderiam participar estudantes do colegial, normal, ginasial e comercial da cidade.

A exigência de “estrita pesquisa histórica” afastou da contenda os pesquisadores que só aprenderam a se apoiar nas obras já publicadas e que se furtam ao esforço de folhear documentos antigos, manuscritos difíceis de ler, papelada contaminada de poeira e bichinhos. Também não podia ser um trabalho ligeiro. O artigo 5º dizia que os trabalhos não podiam ter menos de cinquenta páginas de papel almaço datilografados com espaço um.

Quem iria se dispor a iniciar uma pesquisa que resultasse num trabalho assim? Somente quem se sentisse dotado das condições intelectuais exigidas pela tarefa – e estivesse precisando de dinheiro. A Lei estabelecera prêmio de Cr$100.000,00 (cem mil cruzeiros) para o primeiro colocado. Ao segundo e ao terceiro lugares caberiam Cr$60.000,00 e Cr$40.000,00, respectivamente. Lembrando: o salário mínimo na época era de Cr$42.000,00. O meu irmão Luiz Gonzaga, que cursava o segundo ano do científico, disse: Vou concorrer!

Antes de iniciar a pesquisa propriamente dita, preparou-se. Leu tudo que havia sobre o assunto, todos os autores. Quando se sentiu pronto, apresentou-se na Câmara, queria compulsar as atas. Recebeu apoio gentil e verdadeiro do secretário Sr. Mario Jacinto. A partir daí, durante alguns meses, todos os dias ia revirar os velhos manuscritos, enfrentar a caligrafia complicada, os papéis atacados de papirófagos, tentando traduzir aqueles registros de épocas passadas. Anotava tudo.
 
Nas suas leituras de historiadores, descobriu – e colocou no trabalho – que Francisco Solano Lopez, o líder paraguaio, era casado com Alice Lynch, uma irlandesa dotada de visão política avançada. Descobriu também que o exército brasileiro foi o primeiro do mundo a usar um balão aerostático para observar as tropas inimigas. Incluiu anotações sobre o construtor Chiquinho do Gregório, sobre os nobres da cidade, os políticos da época. E descobriu – ai que triste! – que a Câmara, além de relatar ao Imperador a lista dos pindamonhangabenses que fizeram doações para a causa da Guerra, também encaminhava a lista dos que não contribuíram.

Então, um dia, o trabalho estava pronto para ser datilografado. Arrumou emprestada uma máquina de escrever. Comprou papel. Não sobrou dinheiro para comprar papel carbono, assim o trabalho seria datilografado em apenas uma via. É preciso lembrar? Naquele tempo não existia xerox.  Mas não fazia mal, se ganhasse o primeiro lugar, o trabalho ia ser publicado pela Prefeitura, talvez uns quinhentos exemplares...

Dias e dias, ficava martelando a maquininha na varanda da nossa casa em Coruputuba. Entendeu que a Lei, ao falar em cinquenta folhas de papel almaço, estava querendo dizer cem páginas. Tudo bem, fez um trabalho datilografado de cem páginas. E foi à Prefeitura para entregar, no prazo legal. Ninguém quis receber, não tinha sido formada a comissão julgadora. Então foi à Câmara, procurando quem pudesse receber o trabalho. Ninguém recebeu. Ficou o Luiz Gonzaga um tempo andando de um lado para outro com o trabalho dentro de uma pasta.

Por insistência do Dr. Angelo Paz da Silva, o prefeito Chiquinho Romano promulgou nova lei, a Lei nº 812, de 02/12/1965, concedendo o prêmio de Cr$100.00,00 ao estudante Luiz Gonzaga da Silva Marcondes, que tinha sido o único concorrente.

Mas o dinheiro nunca saiu. Nem a publicação. Ninguém queria pegar o trabalho da mão dele. Até que, já em 1971, um personagem da cidade, tido como defensor das tradições e guardião da história, ofereceu guarida ao valioso documento, recebendo-o das mãos do desesperançado pesquisador: “Pode deixar comigo que eu mando publicar”.

E nunca mais se ouviu falar do trabalho “Pindamonhangaba e a Guerra do Paraguai”.

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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes