O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Palestra no Museu: "Viajando pelo Vale em 1822"

Palestra

“Viajando pelo Vale em 1822”

Pelo Professor Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

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 Palestra sobre a Segunda Viagem de Augusto de Saint'Hilaire ao interior do Brasil
 Em 1822, meses antes de passar por aqui o Príncipe Dom Pedro, passou o naturalista francês Augusto de Saint'Hilaire. Dom Pedro passaria pelo Vale com objetivos políticos, buscando apoio para o seu projeto de emancipação política do Brasil. Saint'Hilaire passou prestando atenção na topografia, na hidrografia, no povo brasileiro, na suas moradias, na sua alimentação, nos seus costumes, nas suas ideias políticas...
O melhor de tudo: Saint'Hilaire tinha um "diário de viagem". Deixou tudo anotado. Publicou na Europa, anos depois.
É sobre suas anotações a palestra do Professor Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
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terça-feira, 16 de outubro de 2012

Gambá e Tatu



Todo mundo quer progresso, quer que a cidade cresça. A cidade tem que crescer, dizem todos os eleitores e todos os candidatos de todos os partidos. Então, a cidade vai crescendo, loteamentos vão sendo rasgados, o capim é raspado, os arbustos cortados, ruas e postes vão invadindo os recantos sossegados. O tatu é o primeiro que se dana, o próprio pessoal das obras mais pesadas já aproveita que está com a enxada pronta e vai descobrindo as covas, volta de noite para colocar armadilha ou então corre atrás do bichinho e pronto: mistura para a janta, ou para beliscar com a cerveja.
Coruja buraqueira aproveitava os buracos do cupinzeiro. Em volta ficava cheio de ossinhos dos ratos que ela comia. Tiraram os cupinzeiros, o pasto vai virar lote, corujinha não sabe para onde vai, sentou no poste novo, debaixo do sol forte. Só sabe se virar de noite, assim de dia fica com jeito bobo, de olhinhos arregalados. Ela não é que nem a suindara, que já é bicho civilizado, mora há muitas gerações na torre da igreja, voa de noite procurando o que comer. Senta no alto do edifício e faz seus barulhinhos que só escuta quem estiver sem sono às quatro da madrugada.
Gambá também vai acabar, jeitão mole dele, de dia parece bêbado, fácil de alcançar, facinho de tacar uma paulada na cabeça dele. Está morrendo, mas escancara a boca de muitos dentes, quer morder, morde só o ar, morde o chão, era uma vez. Mas tem gambá que vive há séculos dentro da cidade, no centro, descobriu que ainda tem casa de quintal grande, tem vão entre dois muros, ali junta folha seca, lá dentro ele dorme de dia com a barriga para cima. Sai de noite procurando fruta, resto de comida. Sobe no muro de novo se tem cachorro.
O gambá vinha passando por cima do muro, eu só via a silhueta dele contra a luz da rua. Então outra silhueta veio em sentido contrário, era o gatão, chefe do bairro, que até os cachorros respeitavam. Fiquei olhando os dois bichos se aproximando, o gambá e o gato. Na última hora o gatão desceu, deu passagem para o gambá, que nem diminuiu a marcha.
Daí tem gente que defende a Natureza, veste uma camisa lutando pelo Boto, pela Baleia, pela Onça Pintada. Faz campanha. Faz campanha para defender tudo que está longe, mas não repara em volta, perto. De carro, atropela o último gambá que atravessava a estrada, porque o engenheiro não planejou uma passagem por baixo para que os animais possam ir de um lado para o outro da Mata sem se arriscarem. Na estrada de Ubatuba minha aluna da Fasc, sem querer, é lógico, atropelou uma suçuarana, de noite.
Mas parece que ninguém acredita que somos um bicho que extermina os outros bichos. Vai sobrar nenhum bicho livre, só vão sobrar os que abaixam a cabeça e topam viver segundo as nossas regras, nos chiqueiros, currais e gaiolas.
No documentário “O Rio das Amazonas”, Paulo Vanzolini estava contando para o barqueiro que o peixe-boi está em extinção e o rapaz perguntou: “Como assim?” E o zoólogo-compositor explicou: “O peixe-boi está acabando, não vai ter mais!” Então o barqueiro deu uma risada gostosa, dessas que o pessoal simples usa para debochar de gente da cidade e falou: “Que isso, doutor! Tá acabando nada, ontem mesmo eu matei dois!”
Assim, por enquanto, a melhor coisa que o gambá faz é mesmo aproveitar seu lugarzinho, ficar de barriga para cima. Enquanto dá. Logo não vai dar mais, os edifícios modernos não vão oferecer cantinho de muro cheio de folha seca para bichinho nenhum. E o tatu, e a coruja buraqueira? A seriema que andava no campo com jeito solene? Vai acabar tudo, logo os lugares desertos vão estar impinhocados de gente, todo mundo reclamando que não tem Natureza na cidade.
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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: Flávio Brandão (peguei em arrobaxyz.bloguepessoal.com)



terça-feira, 9 de outubro de 2012

O alvoroço de outubro



Meu pai falava que no mês de outubro duas coisas ficam alvoroçadas: içá e político. Bom, neste ano os políticos já se alvoroçaram, mas as içás estão quietinhas ainda.
A seca está durando muito, então içá não sai. Não é boba, sabe que depois do bem-bom do casamento com o sabitu nas alturas, na hora em que ela voltar para o chão só vai encontrar terra dura que nem pedra, que não tem jeito de cavoucar, o ferrão não aguenta. E ela precisa cavar uns sete ou oito centímetros que sejam, para botar seus primeiros ovinhos e colocar no chão úmido a bolotinha de fungo que ela trouxe do formigueiro-mãe.
Conheci um menino que comia a içá crua, não sei se ele gostava do gosto ou se gostava mais do desgosto que provocava em volta...
Eu gostava bem torradinha, com farofa.
Poucas vezes fui no “calipero” catar içá na boca do sauveiro. Eu e meus irmãos caçávamos as içás no meio da rua, com um galho de amora, batendo para derrubar, mas não com muita força para não destruir o bichinho. Daí, no chão, segurava por cima e com a unha do dedão rancava o ferrão e jogava numa vasilha com água. Em casa terminava de fazer a limpeza, tirando as asas e as perninhas. Depois, frigideira no fogão de lenha, levantando um cheiro inconfundível. Quando a gente estava indo buscar água na caixa d’água do largo, de noite, ia passando e já ia identificando em quais casas se estava torrando içá, o cheiro denunciava mesmo.
Era gostoso comer em casa. Mas era mais gostoso ainda a gente levar um pacotinho para comer na hora do recreio. Tinha professora que condenava. Havia uns bobos que diziam que içá come defunto, umas bobeiras. Se fosse basear nas lições dos professores, também não podia nem chupar coquinho da igreja...
Mas tinha uns viajantes de São Paulo que iam na farmácia (a minha irmã Ana Clara trabalhava lá) e encomendavam quilos de içá, que era para levar para o laboratório, diziam que a içá era fonte riquíssima de proteína.
Sei lá. Mas que a gente comia, comia com gosto. Até a gatinha de casa aprendeu a caçar içá na rua, pulava e pegava no ar, e comia. Sem falar da festa que era para a galinhada do quintal, correndo atrás dos bichinhos voadores, igual hoje os moleques correm atrás de pipa.
Agora, com tanta agricultura industrializada, tanto combate à saúva, as içás sumiram. Antigamente caía até na cidade. Hoje, nem na roça.
Nos EUA vendem latinhas de içá torrada. Daqui a pouco vamos começar a importar.
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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto também do Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Por que os virtuosos devem governar?



Estava boa a troca de idéias entre o Glauco, o Céfalo, o Sócrates e o Polemarco, na casa deste, depois que voltaram da festa da Diana. Mas o Trasímaco ficava toda hora querendo interromper a conversa, queria impor a conclusão dele, de que a vida do injusto é mais vantajosa do que a do justo. E ainda mais: que governar é simplesmente impor aos governados o interesse do governante. Então o Sócrates lembrou aos parceiros que, conforme já tinham discutido, toda arte ou governo deve providenciar o que é vantajoso para os subordinados. Assim, a medicina visa ao bem dos pacientes, o músico visa agradar aos ouvintes, o construtor visa o conforto dos moradores e assim por diante.
Da mesma forma, prosseguiu o Sócrates, o governante deve providenciar benefícios para os governados e não para si próprio. E assim, já que o governante está cuidando dos interesses dos outros, deve receber paga por seu trabalho. Por isto, ao governante se deve dar salários, sob a forma de dinheiro ou de honras e, em caso de recusa do ofício, sob a forma de punição.
Nessa altura, todos estranharam muito e interpelaram o Sócrates: Como assim? Pagar o governante com dinheiro ou honras a gente compreende. Mas a punição como paga?
E o Sócrates explicou: Punição para o virtuoso que não quiser governar, que recusar o cargo de mando. É só isto que funciona para o homem de bem. Porque ele não vai disputar o governo em troca de dinheiro, não é mercenário. Não vai disputar em troca de honras, pois não é ambicioso. A verdadeira paga para o homem de bem que assume o governo é esta: escapar da punição de ser governado por homens inferiores a ele.
Pois este é o verdadeiro castigo para o virtuoso que se recusa a governar: Honesto, será governado por desonestos; inteligente, será governado por burros; culto, será governado por brutos; solidário com as dificuldades dos pobres, será governado por aproveitadores; conhecedor dos caminhos modernos, será governado por retrógrados.
Para deixar ainda mais clara a sua convicção, o Sócrates completou: Se houvesse uma cidade constituída só de bons, haveria competição para fugir ao poder, precisamente como agora existe para o alcançar. Os homens bons disputam o poder não porque esperam usufruir vantagens, mas apenas porque não encontram quem lhes seja superior ou igual para lhe passar a missão.
Depois dessa, o Trasímaco baixou um pouco a bola. E a conversa na casa do Polemarco prosseguiu até bem tarde.
Isto aconteceu em Atenas, uns quatrocentos anos antes de Cristo. Quem contou para a gente foi o Platão, discípulo de Sócrates. Por essas e outras vocês sabem o que acabou acontecendo com o Sócrates: foi obrigado a se matar tomando veneno.
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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto de Greg O’Beirne
Permissão de uso: GFDL / Creative Commons

Comentários sobre a imagem: Socrates bust by Victor Wager, University of Western Australia, Crawley, Western Australia. Photograph by Greg O'Beirne, taken 3rd December 2004, 8.55am.Category:Perth, Australia