O LAGO DE CORUPUTUBA

A foto acima obtive em 1967 com a minha antiga Bieka. É o lago da Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Na tuia tu ia

 


Nós não nos considerávamos caipiras. Sim, falávamos barde, memo (em lugar de mesmo), falá, comê, trabessero, têia (do teiado, ué!), ocê, bonde no lugar de ônibus, ridico, cuié,  muié, tá, nóis tava. Mas não éramos caipiras que nem o pessoar da varge. Aquele pessoar sim, era caipira memo, uns jacu do mato. Os caipiras de verdade, no nosso entender, eram os que falavam num carece, em lugar de não precisa, entonce em vez de então e – o pior de tudo – falavam ponhá em vez de pôr. O ponhá, para nós, era o estigma derradeiro. Quando queriam provar que não eram caipiras ficava pior: faziam força para acertar e falavam galfo, malmita... Nós, os filhos do professor, querendo falar “Eles foram varrer o quintal porque estava muito sujo e nós fomos também”, falaríamos “Eles fôro varrê o quintar porque tava muito sujo e nóis fomo tamém”.  Já os caipiras do fundo da varge diriam “Êzi fôro barrê o quintar a mode que tava munto xujo e nóis fumo tamém”. Eram diferenças fundamentais, acreditávamos.
A escrita nos salvou de continuar falando daquele jeito. Escrever, a gente escrevia certo. Ainda mais no Ginásio, quando comecei a prestar mais atenção na minha fala e aos poucos fui perdendo a caipirice do jeito de falar. Se bem que em casa e no bairro mantive, como uma espécie de resistência e saudosismo, na medida do possível, o meu linguajar costumeiro, como um bilíngue. Quando comecei a trabalhar em dois lugares ao mesmo tempo, na escola e na fábrica, falava de um jeito com as professoras e alunos e de outro jeito com a peãozada.
Uma vez presenciei um garoto, que decerto queria estrear as novidades aprendidas na escola, falando para sua avó: Vou pegá as telha.
E a avó: Pegá  o quê, minino?  
O neto, sério: As telha
E a velha, no máximo do deboche: Que isso, “telha”? Que “telha”? Fala direito, sua besta: é têia, viu, é têia... minino bobo... inventano moda...
Eu achava interessante que  o choque entre o linguajar culto e o informal, dentro da família, às vezes resultava em alguns interessantes trocadilhos – e eu já vinha pegando gosto com isto, graças à saudável influência do Prof. Mario César.
Um dia, o Zaga ficou bravo com o Bosco e falou alguma coisa não muito agradável para ele. Eu interferi, para apaziguar, mas o Zaga não gostou da intervenção e me interpelou:
- O que foi, você está se tomando?
Não perdi a ocasião:
- Se tô, mano!
E a encrenca acabou em risada.
Noutra ocasião, época de quadrilha na tulha (para nós, tuia), minha mãe sugeriu que a gente fosse à reza na capela. Mas eu já estava vazando e mamãe ralhou:
- Não vai na igreja, né? Se fosse na tuia tu ia!
E ainda tive tempo de comentar com Zaga: A mãe não percebeu, mas ela fez um trocadilho espetacular!

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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes
Foto: Arquivo Histórico Waldomiro Benedito de Abreu - Tulhas de Coruputuba -

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