domingo, 19 de fevereiro de 2012

Os cachorros de Coruputuba - V



“Lulu”, ou “O amor conquista”
Da primeira cria da Doguinho ficamos com dois filhotes, conforme já contei (ver “Os cachorros de Coruputuba  I”, postado em 12/12/2011). Os outros, nós demos. Naquele tempo, não se vendia cachorrinho: dava-se. Demos o Lulu para o Seu Sebastião Leite, que morava na mesma rua nossa, a Av. Dr. Cícero Prado, perto da Capela.
Seu Sebastião Leite tinha uma lojinha na sala da casa. Seria assim uma loja de armarinhos: linhas, agulhas, sianinhas etc. E o Lulu foi para lá. Era um cachorrinho do mesmo tamanho do Neguinho, só que de orelhas espetadas, um ar muito atento. Era malhado de branco e preto, com predominância da cor preta.
Virou um cachorro grosso e troncudo, de pernas curtinhas e fortes, muito bravo. Latia nas pessoas, queria agredir os outros cães. Mas eu não me conformava com isto: um cachorrinho que nasceu na nossa casa, mamou na Doguinho, era irmão do Neguinho, como que podia ser bravo com a gente? Pois ele latia contra mim e meus irmãos, quando a gente passava lá. E, quando a gente ia comprar alguma coisa no Seu Sebastião Leite, precisava alguém intervir, que ele queria morder a gente. E ferrava umas lutas com o Neguinho. E com a Doguinho também, imagine, a mãe dele!
Um cachorro malvado.
Um dia, eu e meus irmãos, mas principalmente o Pedro, que era mais forte, nós abrimos um buracão no quintal para enterrar lixo. Ficou uma espécie de cacimba sem água, quase três metros de profundidade. Era lá no fundo, quase encostado no muro da fábrica, no canto que vizinhava com o quintal do Seu Fusco. E fomos jogando lixo lá, na intenção de mais tarde cobrir com terra e obter um composto orgânico para a horta.
Quando matamos as cabras a gente jogou as tripas e as cabeças dentro do buraco.
Daí, um dia cedo, o Pedro tinha ido no fundo do quintal e escutou um chorinho no buraco. Foi ver e era o Lulu, que estava lá dentro, tentando subir, mas nunca ia conseguir. Impossível. Quando o Lulu viu o Pedro, começou a rosnar. E o Pedro teve a paciência suficiente para esperar ali, só olhando... Depois de algum tempo o Lulu parou de rosnar e começou a choramingar.
Então o Pedro colocou no buraco uma escada improvisada, na verdade uma tranqueira de madeira, para o Lulu subir. Bem que o cachorro malvado tentou, mas não dava certo, ele não prosseguia, as pernas curtas não ajudavam. Afinal, o Pedro, que tantas vezes tinha sido insultado por aquele cachorro agressivo, sabe o que fez? Pois desceu no buraco para pegar o Lulu, que se encolheu um pouco, mas não fugiu nem rosnou, nem mostrou dentes. Aceitou o colo do Pedro, que subiu com a fera até poder soltá-la no quintal.
Lulu foi embora atravessando a cerca da casa do Seu Fusco.
Daquele dia em diante, nunca mais o Lulu latiu para a gente. Não foi só o Pedro que ele passou a respeitar. Ele estendeu para todos os irmãos a gratidão que ele devia só para o Pedro.
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Texto de Paulo Tarcizio da Silva Marcondes

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